domingo, 15 de agosto de 2010

O novo mundo de Donna


Olá galera, vim postar uma história que fiz nas férias, estava inspirada no filme "o labirinto do fauno", muito embora eu nunca tenha o visto antes. Mas agora, vamos a história.


O novo mundo de Donna

-Tenha em mente que, a partir do momento em que você passar por este portão, deixará todas as suas mágoas, todos os seus pesadelos, todas as histórias de terror vividas por você. Mas também, fique ciente, de que jamais, retornará a vida. Será como se estivesse morta no outro mundo.

Disse a estranha criatura em cima de uma alta rocha. Ela estava agachada, falava como se o mundo fosse acabar e aqueles eram os últimos segundos que restaram. A voz da tal criatura tinha um poder estranho sobre Donna, as palavras pairavam no ar e era como se a pele da garota absorvesse tudo! As frases entravam e grudavam-na como maresia, ou qualquer inseto nojento e pegajoso.

Aquelas palavras faziam Donna pensar, pensar se realmente era aquilo que ela queria: fugir de tudo e todos na sua miserável vida, não era? Donna pensou por uns instantes. A criatura percebeu a hesitação na garota e aproveitou o momento.

-Como guardiã do portão eu preciso que você entre sem nenhuma dúvida, ou então, poderá se arrepender por toda a eternidade!

Que vida? Pensou Donna. O pai morreu á 3 anos atrás, quando ela ainda tinha 6 anos, não lembra muito bem da sua face, todavia ainda sente o cheiro de eucalípto da casa que costumavam morar, seu pai cheirava a eucalíptos. Depois da terrível notícia do falecimento de seu querido pai, a mãe de Donna casou-se com outro cara. Um novo rico que havia achado petróleo na Árabia Saudita. O que sua mãe não sabia era que o padrasto abusava de Donna. Depois que se casou novamente ela nunca prestava atenção na garota. Era como se tivesse criado um mundo perfeito só para ela e o novo marido.

Donna sofria e nada podia contar a mãe pois, suspeitava que ela poderia muito bem levar uma surra, já que o padastro falaria que a garota era uma jovem mentirosa e que estava inventando tudo.

As coisas pioraram quando a mãe de Donna ficou seriamente doente e não saia da cama nem para fazer suas necessidades. Ela não se importou muito com a filha quando enfiou a faca peito a dentro. O padastro mandou caçar a filha de sua mulher, e quando a encontrassem: “tirem-lhe a tripa e sirvam-se” foi o que tinha dito. Donna correu, fugiu e escapou, encontrou um velho que morava no meio da floresta e o velho começou a faze-la de escrava, mandava buscar lenha, lavar suas roupas num rio próximo e a fazia limpar a casa todos os dias. Até que um dia Donna foi embora. Simplesmente assim. Agora estava conversando com o guardião do portão “para o outro mundo”.

-E então? Qual será a sua escolha? Aqui... Ou lá dentro.

A estranha criatura abriu o portão. Nada se podia ver, só nevoa e mais nevoa. Donna sabia que se passasse pelo portal, tudo seria esquecido, mas ainda tinha a dúvida do que encontraria pela frente, será que era uma coisa boa... Ou algo pior do que tudo que ela viveu?

-Pode dizer me o que está esperando por mim, espreitando-se nessa nevoa?

A criatura deu um longo olhar para Donna, deu uns passos a frente e subiu em outra alta rocha que estava logo a frente, ela se movia tão grotescamente rápido e ágil como uma lagartixa escalando uma parede. De fato a criatura tinha uma leve semelhança com a de uma lagartixa, e provocava a mesma reação em Donna, que a lagartixa provoca nas pessoas.

-Não. – disse a mutação de lagartixa na rocha – não pois, para cada um que passa por esses portões a surpresa é diferente. Para você é uma, para a próxima pessoa que vier aqui será outra.

-E se for algo ruim? Posso voltar? – perguntou sem esperanças Donna, afinal ela já sabia da resposta, e a resposta era não. A lagartixa parecia saber sobre isso e não respondeu.

-Alguma outra pergunta? Algum outro questionamento sobre o seu destino? – a criatura deu um olhar cansativo para Donna – Desculpe-me a sinceridade, mas não importa o que vai decidir, se entrará ou se continuará sua vidinha miserável, tudo é assim, uma névoa. Você pode ver o seu destino se passar pelos portões? Pode ver se não passar?

Não, Donna pensou.

-Exatamente, o que muda apenas é que se passar por aqui, vai morrer, vai renascer, terá outra vida, uma da qual você não saiba os horrores que viveu nessa, uma da qual você viverá num sonho de uma princesa... Ou nos pesadelos de uma bruxa.

-Você tem razão. – disse Donna – preciso me decidir agora?

-Sabe o que é o pior de tudo? – a criatura desceu da rocha o bastante para encarar Donna, frente a frente – É ficar aqui, para todo o sempre. É ver pessoas perdidas, perdidas nos pensamentos, na mente. É ver essas pessoas entrando aqui e pensando no que a vida delas se transformará, se será um mar de rosas ou de espinhos. Eu não posso passar pelo portal, não posso ver o rumo que todos que entram aqui pegam. Estou condenada pela eternidade a viver me remoendo, me matando de curiosidade. Morrendo aos poucos, agonizando e nunca podendo morrer... E nunca podendo viver... e nunca podendo saciar minha curiosidade, esta doença humana que me faz presa aqui.

-Você não pode sair? Fugir daqui? Ir embora e não voltar mais?

-Posso, claro que posso. Mas eu sou a curiosidade, sou aquela que corroi por dentro, que te faz uma chantagem emocional, sou os olhinhos dos bebes aos primeiros dias de vida. Eu sou uma criatura que por mais que possa fugir, prefere, gosta de ficar e tentar ver o caminho das pessoas que aqui passam, embora realmente nunca podendo.

A forma de lagartixa subiu novamente ao ponto mais alto da rocha. Donna já havia decidido qual caminho tomar, estava segura, e antes de tudo, curiosa sobre o que esperava por ela atrás da cortina pesada de nevoa.

-Eu vou – disse Donna estufando o peito e completamente segura da escolha que tomara.

-Pode passar pelos portões – gesticulou com a mão a criatura guardiã – Espero sinceramente que sua vida seja melhor do que a que teve aqui.

Donna estava com pena da criatura, presa na própia personalidade, pedindo socorro sem poder ser socorrida, pior, sem querer ser socorrida. Com um gesto de despedida Donna seguiu em frente, com toda a segurança se esvaindo, ela podia sentir a terra embaixo dos seus pés sugando a confiança dela. A criatura curiosa estava fechando o portão lentamente, não para o fato de que se Donna se arrependesse ela pudesse voltar a tempo, era pelo fato de que talvez, a criatura poderia ter um pequeno vislumbre do novo mundo de Donna.

-Adeus! – disse Donna, um pouco rouca pelo medo.

Os portões se fecharam até existir apenas uma fresta pela qual a garota conseguia ver os olhos da forma de largatixa, espionando ela. Depois, escuridão total.

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